As ruas das grandes cidades estão lotadas de carros abandonados. Um levantamento feito pela Prefeitura de São Paulo em 2020 indicou que 10 mil veículos estão largados pela capital paulista. Quem abandona carros em via pública está sujeito a pagar uma multa de salgados R$ 16.693,28. Caso queira reaver o veículo depois da apreensão, o dono ainda precisará arcar com os custos de remoção e estadia no pátio.
É por isso que muitos proprietários resolvem "deixar" seus carros em estacionamentos particulares, como o do aeroporto de Guarulhos. Só que, entre os veículos parados no local, um deles chama atenção. O Nissan Micra (nome pelo qual é conhecido o March em alguns mercados) da quinta geração está na ala VIP de um dos estacionamentos do aeroporto. Trata-se da única unidade que se tem conhecimento em solo brasileiro.
A história inusitada chamou atenção de Rafael Cancellara, proprietário de um March 1.6 e membro do Clube March SP. Logo ele começou a investigar como o Micra veio parar em solo brasileiro. "Descobri a existência dele no (perfil de Instagram) Abandonados.Br e um amigo me mandou pelo Instagram. Quando vi, pensei: 'meu Deus, eu preciso conhecer esse carro'. Conversei com a pessoa que fez a foto, e ele me contou onde o carro estava. Chamei um amigo meu e falei que a gente ia ver um carro no sábado", conta. Ao chegar lá, Rafael notou que o Micra apresentava alguns sinais de desgaste e indícios de sua história. "Fiquei bem curioso para descobrir como o carro foi parar lá. Dentro do porta-copos vimos moedas de alguns países da América do Sul. Como vi que os pneus estavam quase carecas, liguei os pontos e deduzi que o veículo tinha vindo rodando para cá".
Sua tese foi confirmada pouco tempo depois, quando surgiram imagens do carro rodando pelas ruas do Recife. Faltava saber, porém, o ponto de partida do Micra antes de chegar ao Brasil. "Eu vi que a placa do carro era do padrão europeu, e algumas informações indicavam que ele tinha sido registrado na França. Enviei as fotos para um amigo meu que mora lá e ele não conseguiu puxar nenhum dado do veículo. Foi só olhando as fotos que notei que havia um adesivo de uma seguradora no para-brisa do carro".
Após pesquisar um pouco mais sobre a seguradora, Rafael descobriu que a empresa era da Guiana Francesa. Depois de ser ignorado, ele voltou a entrar em contato dizendo que havia encontrado um veículo que tinha sido roubado. "Eles retornaram confirmando que foi dada queixa de roubo naquele carro. Depois de algumas horas, uma outra pessoa me chamou e se identificou como o gerente da locadora. Ele me explicou que o veículo tinha sido alugado e roubado e perguntou onde ele estava. Depois de descobrir, ele perguntou se eu não queria comprar o carro, já que buscar o veículo no Brasil seria inviável". Antes de aceitar a oferta, Rafael pesquisou se haveria meios legais de retirar o Micra do local e emplacá-lo aqui.
"Entrei em contato com uma amiga que também é advogada e até existe a lei de usucapião (forma de conseguir a propriedade de um bem, agindo como dono e sem que haja oposição à posse). Só que eu esbarraria no fato dele nunca ter sido vendido no Brasil. Isso impede que os órgãos reguladores certifiquem o veículo para ser emplacado e rodar legalmente no país. Outro problema é que, por não ser o proprietário do carro, eu precisaria comprá-lo e obter uma autorização para retirá-lo do local onde ele se encontra". Durante suas investigações, Rafael descobriu alguns detalhes estranhos na história. "Quando eu passei a placa para a empresa que administra o estacionamento, eles não tinham o registro daquela placa no sistema. Só que, para você entrar no local, a cancela realiza a leitura da placa do veículo - como aconteceu quando entrei no mesmo estacionamento".
Até agora, poucos detalhes (fora os descobertos por Rafael) vieram à tona. O veículo está com vários objetos de uso pessoal em seu interior e as portas estão destravadas, mas nenhuma chave foi encontrada. Enquanto isso, o pobre Nissan vai sofrendo com a ação do tempo e engrossa as estatísticas de veículos abandonados em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário