quinta-feira, 3 de maio de 2018

Para onde vai a Ford no Brasil e no mundo? Momento é delicado para a marca


























Na semana passada, a Ford anunciou que vai abandonar o segmento de carros de passeio nos EUA, exceção feita à versão aventureira do Focus (Activ), que será importada da China em baixos volumes. Restarão apenas as picapes e os SUVs, além do icônico esportivo Mustang, um modelo de nicho. Adeus Fiesta, Focus Sedan, Fusion e Taurus, sedã que liderou o mercado americano por cinco anos na década de 90. Faz sentido esse movimento? A questão é polêmica, e revela que a marca americana, que criou o conceito de linha de montagem, está na maior encruzilhada de sua história centenária – foi fundada em 1903 pelo genial e visionário Henry Ford.
No Brasil, a situação da Ford também não é das melhores, embora a marca ainda ostente a quarta posição no ranking de vendas, graças ao sucesso do Ka (hatch e sedã). O problema aqui é justamente a dependência desse modelo pequeno, de baixo valor agregado, que não garante grandes margens de lucro. O outro campeão da marca, o pioneiro EcoSport, foi sobrepujado pelo quarteto de SUVs compactos Honda HR-V, Jeep Renegade, Nissan Kicks e Hyundai Creta. A última atualização não ajudou o modelo a recuperar volume de venda.
Além de Ka e EcoSport, a Ford vende baixíssimos volumes de Fiesta e Focus. Por sinal, os dois estão defasados em relação aos modelos vendidos na Europa, e não há perspectiva de atualização. O Fusion, importado dos EUA, vai sair de linha. A picape Ranger argentina não consegue acompanhar as vendas da dupla líder (Toyota Hilux e Chevrolet S10). Para complicar, a linha de caminhões está na berlinda, pois a marca já não produz caminhões em nenhuma parte do planeta.
Para quem acha que é pouca notícia ruim, há grande chance de a histórica fábrica de São Bernardo do Campo (SP) ser desativada, caso se confirme o fim dos caminhões, algo muito provável. A outra fábrica fica em Camaçari (BA), com altos custos logísticos, o que deve piorar quando os incentivos fiscais se esgotarem em 2020. A compra da cearense Troller foi só uma medida para esticar o período de incentivos por fabricar carros na região Nordeste. Na matriz, a operação sul-americana é considerada a mais deficitária do planeta, e muito se questiona se vale a pena continuar investindo na região.

Big 3


O maior complicador é que a Ford como um todo vive um momento confuso. Ela foi a única das Big 3 americanas que não “quebrou” na crise de 2008 – a GM foi resgatada pelo governo Obama, e a Chrysler vendida à Fiat. Mas o fato é que ela saiu fragilizada da crise, sem grande capacidade de investimento. O controle familiar e personalista da empresa (até hoje com os herdeiros de Henry Ford) não ajuda muito, já que ela não consegue achar o prumo. Quer um exemplo? Há 10 anos, o então CEO da marca, Alan Mulally, dizia que a Ford precisava reduzir sua dependência dos segmentos de SUVs e picapes.


Ford EcoSport: SUV compacto passará a ser o carro mais en conta da marca no mercado norte-americano

Hoje, o comandante Jim Hackett vai na direção totalmente oposta, com o fim dos carros de passeio nos EUA. Tudo bem, o mercado de SUVs e picapes está bombando, e o foco nesses produtos parece fazer sentido hoje em dia. Já os carros de passeio vendem cada vez menos, e com margens mais baixas. Mas o que fazer no caso de uma nova crise do petróleo ou financeira? Outro risco que a Ford está assumindo é entregar a base do mercado para marcas orientais. Japoneses, depois coreanos, cresceram nos EUA começando com carros baratos. Hoje, desafiam as montadoras americanas com uma ampla gama de produtos. Em breve, podem ser os chineses a ocupar essa lacuna, que por sinal a Chrysler (FCA) também deixou ao focar nas promissoras divisões Jeep e Ram, e tirar de linha carros como Dodge Dart e Chrysler 200.

Os recentes erros da Ford repercutem até hoje. A insistência em apostar no concorrido e estabilizado mercado europeu é uma delas. A GM preferiu fugir de lá vendendo a Opel/Vauxhall para os franceses da PSA, depois de abandonar a sueca Saab. Com isso, focou na América do Norte e nos emergentes, e vai saindo da crise. Outro erro da Ford foi vender a Land Rover aos indianos, num momento em que SUVs estavam em viés de alta. Ou a Volvo aos chineses, uma marca estratégica em todos os sentidos. Por outro lado, a Ford manteve a Lincoln, divisão de luxo que só é conhecida nos EUA.

Ford Fusion: sedã ainda é feito no México, que deixará de fabricá-lo. Portanto, suas vendas no Brasil  deverão ser encerradas
Divulgação
Ford Fusion: sedã ainda é feito no México, que deixará de fabricá-lo. Portanto, suas vendas no Brasil deverão ser encerradas

A corrida por modelos elétricos, conectados e autônomos é outra pedra no sapato da Ford, pois exige um investimento absurdo. Por isso, há quem aposte que a velha marca do oval azul não resistirá à travessia para o mundo digital sem uma fusão. Pode ser com a FCA (sonho de Donald Trump e sua equipe, que não quer ver a Chrysler em mãos orientais), mas pode ser com grupos europeus ou até (se Trump permitir) com marcas do oriente.



E a Ford Brasil? Aqui, a operação deixou de ser prioritária há muitos anos, e está a reboque da situação da matriz. A tendência é que restem apenas as linhas Ka e EcoSport, além de modelos importados. A empresa, infelizmente, não parece ter fôlego para resistir ao crescimento de marcas como Toyota, Honda, Renault, Hyundai e Nissan, sem falar na saúde das líderes GM, VW e até FCA (na soma de Fiat e Jeep). Muito em breve saberemos o rumo da marca que foi um dos símbolos da industrialização no século 20 e tem uma legião de fãs mundo afora.









Nenhum comentário:

Postar um comentário